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Eu não sopro no canudo
Vou logo avisando: eu não sopro no canudo. Eu me recuso a fazer o teste do bafômetro. Sou brasileiro, 43 anos, separado, pai de três filhos. Pago meus impostos e não devo satisfação a ninguém, com exceção dos meus credores, mas estes são poucos graças a Deus. Sempre gostei de uns golinhos de vez em quando, mas a bebida nunca foi problema na minha vida. Eu era apreciador de uma boa branquinha, mas hoje tomo apenas umas cervejinhas de vez em quando.
Há pouco mais de um mês mudei os meus hábitos, pois agora não saio mais para ambientes noturnos para beber. Compro sempre uma caixinha de Skol e guardo na geladeira para tomar em casa. Estou obedecendo à risca a lei seca que proíbe o motorista a guiar com qualquer teor alcoólico no sangue. Sou a favor da lei e acho que ela é fundamental para reduzir as mortes no trânsito no Brasil. Mas não concordo que para cumprir uma lei outra seja descumprida, ou melhor, um direito seja suprimido.
Ontem, em uma reportagem publicada pela Agência Brasil, o inspetor da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Alexandre Castilho, afirmava que “soprar bafômetro é dever imposto pela concessão de dirigir”. Fiquei pasmo com a alegação do agente, pois percebi que ele manipula as informações para justificar a ação e, para o cidadão comum, os seus argumentos parecem verdadeiros e justos. Diz ele: “Na verdade, ninguém tem o direito de dirigir. As pessoas têm o direito de ir e vir, à vida, à propriedade, à manifestação intelectual, mas ninguém nasce com o direito de dirigir. As pessoas buscam do Estado uma permissão para dirigir, e essa permissão é um título temporário, precário e que pode ser cassado a qualquer momento. E quando esse título é cassado? No momento em que o motorista nega ou questiona os critérios utilizados para o oferecimento da permissão. Então a pessoa que se recusa a soprar o bafômetro está negando esses critérios”. Parece verdadeiro, não é? Não é não. Isso é mentiroso. Não existe, nos critérios de concessão para permissão para dirigir tal exigência. Não está lá, mesmo em letrinhas miúdas, que o motorista deve soprar ao bafômetro quando for solicitado, abrindo mão de um direito constitucional.
Como o próprio texto da Agência Brasil afirma, “recusar-se a fazer o teste do bafômetro é uma prática garantida pelo artigo 8º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (de 1969), conhecida como “Pacto de São José da Costa Rica”, que preconiza o “direito [da pessoa] de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada”. O Brasil é signatário da Convenção – por isso, ela é considerada lei máxima no país.”
Castilho, entretanto, argumenta que a Lei Seca interpreta que a recusa poderia ser questionada, caso se tratasse de matéria de direito penal, mas é de direito administrativo, não tem aplicabilidade, pois realizar o teste seria um critério para que o motorista assegure a permissão que lhe foi concedida pelo Estado. Como disse anteriormente, esse critério não está implícito no contrato firmado entre o condutor e o Estado, portanto, não pode ser cobrado. Mesmo que venha ser adicionado, deve ser questionado judicialmente, por confrontar a Lei Maior do país. O direito administrativo e o direito penal se emparelham e, ao juntar provas contra si em processo administrativo, o condutor também reúne provas que podem ser usados contra ele em processo criminal.
Percebo que, no Brasil, as coisas acontecem de forma impositiva. Vem alguém e diz: você deve fazer isso ou fazer aquilo e pronto! Não importa se isso é certo ou errado, pois, mesmo parecendo não estar correto, devemos todos acatar com a maior naturalidade sem questionamento. Cede-se em um direito aqui, em outro acolá e, em pouco tempo teremos nossas vidas todas governadas por “iluminados” que sabem o que é melhor para nossa vida.
Desde que a Lei Seca entrou em vigor, centenas de pessoas que se recusaram em fazer o teste do bafômetro foram presas. Acontece que, se o condutor não apresenta sinais visíveis de embriaguês, como pode o guarda de trânsito ou o delegado de polícia prendê-lo? Isso acontece por má interpretação da lei. Mas percebo da sociedade uma mansidão perigosa ao não se rebelar contra isso. Vejo instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e mesmo o Ministério Público, que se intitula fiscal da lei cala e permite que cidadãos de bens sejam humilhados em prisões arbitrárias. Nenhum policial ou delegado tem os conhecimentos necessários para afirmar que um condutor está ou não com algum teor alcoólico no sangue. Caberia isso a um médico, por isso, no caso de recusa, o condutor poderia, no máximo, ser levado a uma unidade de saúde para que o profissional correto confirma-se ou não a suspeita do agente de polícia e não para uma delegacia para justificar-se com o delegado. Ao agente judiciário, cabe fazer valer o pressuposto elementar do direito que afirma que deve-se presumir inocência em caso de dúvida.
Creio que essa questão tão polêmica não será facilmente digerida pela sociedade. Uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) foi ajuizada no último dia 4 pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) no Supremo Tribunal Federal. O julgamento da ação porá um fim à discussão, pelo menos na questão jurídica. Cabe, porém, uma manifestação mais eficaz do cidadão que se sente suprimido em seus direitos fundamentais. Sou a favor da Lei Seca, mas condeno o teste do bafômetro, digo isso, mas vejo que são poucos os que se atrevem a falar isso abertamente. São manifestações assim que podem influir tantos outros que se calam diante das ameaças policiais. Talvez eu seja preso ao me recusar em fazer o teste, mas assumo o risco e espero que a Justiça julgue pela preservação dos direitos fundamentais.
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