quinta-feira, 27 de março de 2008


Artigo do Bené



Está fantástico o artigo do professor Beneilton Damasceno publicado na edição de hoje do jornal Página 20. Veja a seguir:


Bem que ele estava certo...

Beneilton Damasceno*

Meu querido pai, paraense de Castanhal, costumava repetir, entre sério e bem-humorado, que não precisaria viver além dos setenta anos, quando, segundo ele, todas as doenças se combinam para atazanar o corpo e o espírito de suas presas. Deus foi mais tolerante do que pedira o velho e lhe concedeu mais uma Copa do Mundo nesta terra de maldade respirando fumaça e assistindo ao Jornal Nacional - despediu-se em 2002, aos 75, doze dias depois que o Brasil de Felipão emplacou o penta.

Jamais levei a sério quando ele me advertira de que, lá pela casa dos quarenta e tarará, os sintomas da senilidade começariam gradativamente a tomar conta deste esqueleto. Achei que seria apenas conselho de pai. Não demorou muito, porém, comecei a usar óculos de grau. Aliás, dois - um para perto, outro para longe. Viriam logo depois, não nessa ordem, enxaqueca, taquicardia (no tempo dele se chamava “palpitação”), insônia, uma fisgada na região do cóccix (mucumbu, no popular).

Larguei de vez a vodca genérica e o cigarro com filtro. Ah, pra quê! A primeira “graça” foi uma sucessão de pedras na vesícula (“colelitíase” no jargão hospitalar). O doutor Ilson Ribeiro, também saudoso, tratou de extirpá-las na base da peixeira - o laser não existia por aqui no século vinte. Agora em outubro, descobri com falso orgulho que tenho diabetes (melhor do que dizer “hiperglicemia”). Bye, bye rapadura, uva, leite condensado, algodão doce, pé-de-moleque. Melancia? Só de for “diet”. Coisa de coreógrafo, já pensou?- O senhor tem de praticar uma atividade física, sabia?

- Sim, dotô, mas eu bato bola todo sábado no campo soçaite do Skate Park. E também costumo ir a pé do trabalho para casa. No sol quente.

- Não falei disso, amigo. O senhor precisa caminhar. Ouviu? Caminhar. De preferência do Parque da Maternidade ou no Horto Florestal. Do contrário, não vai adiantar muito, certo? E outra: o calçado deve ser adequado. Portanto, não invente de usar esses tênis paraguaios de Cobija ou lá de Plácido de Castro. Aqui em Manaus, rapaz, a gente encontra sapato legal até de 400 reais. Vá por mim, vá!

Já parei de reclamar? Claro que não! Minha hepatologista me presenteou no fim de 2007 com uma “transaminase pirúvica” (chique, não?), que evoluiu para “esteatose hepática”, que é igual a gordura no fígado. Tradução: falta pouco para desenvolver uma cirrose, daquelas em que o moribundo “figo” sai até no espirro. Recomendação: suspenda - agora! - o pão, o macarrão (incluindo o milagroso “miojo”), o baião-de-dois, a saltenha do Moacir. Gua!

Para deixar a coisa mais penosa, pelo menos uma vez no mês sou forçado a fazer exame de sangue depois de acordar. Nossa! Aquela agulha desse tamanho, a enfermeira bodejando que todo homem é mole, que mulher não reclama de nada, que blablablá... O pior é que ela tem razão. Me mande uma onça braba e eu viro macho, até negocio com a bicha (animal). Mas não venham furar minha “aveia” antes do quebra-jejum, de jeito maneira. Tô fora!

Eita! Por falar nisso, fiquei de ligar daqui a pouco para um nutricionista que prometeu me ajudar a enfrentar essa “fase eterna”, como ele bem definiu. Uma dieta a base de arroz integral, meio bife grelhado no almoço, torradinhas, chá com adoçante (argh!) e coca zero nas quatro festas do ano. Haja estômago. E haja saudade do meu pai, que passou por tudo isso e sequer teve a oportunidade de escrever um tratado como este que faço agora relatando o drama dos que envelhecem.


* Jornalista (benedamasceno@hotmail.com)


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