segunda-feira, 13 de julho de 2009

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A violência na nossa casa


“Tem muita coisa assustadora na tevê. Por isso não gosto que meus filhos assistam quando está passando matéria de crime, roubo ou coisa assim.” Essa afirmação vem de uma mulher simples de 41 anos. Uma mãe de quatro filhos que zela pela educação deles e que os quer protegidos de tudo de mal que pode influenciar seu caráter ou influir na saúde mental. Não devia ser assim, pois ela própria já devia estar acostumada com a violência e com as manchetes recheadas de sangue dos noticiários, pelo menos nos impressos.

Essa senhora se chama Maria Silzete. É natural de Tarauacá e está há 20 anos em Rio Branco. Casou e constitui família e há 14 anos trabalha com serviços gerais no jornal Página 20. Durante todo esse período ela viu muitas manchetes serem construídas falando das atrocidades do mundo violento. Além dos textos do jornal em que trabalha, ela tem à sua disposição todas as demais publicações diárias da cidade e mais alguma outras de circulação nacional e local que chegam à redação do matutino. Contudo, não se acostumou à banalidade do crime diário, dos assaltos nas esquinas, do espancamento da mulher ou da criança, do menino que é obrigado a vender balas no sinal para garantir o leite do irmão menor.

Maria poderia ser Madalena, Rute, Cleide, Francisca ou Raimunda. Não importa o nome. Importa saber que mães e pais também se preocupam com a carga diária de informação negativa que chega a seus filhos. Para esses meninos e meninas que estão com o caráter em formação, a banalização da violência nos telejornais, no cinema, no desenho animado e na revistinha “infantil inocente” é uma agressão que se iguala à própria violência.

“Os filmes de violência vão trazendo más influências para os jovens. É por isso que existe tanto crime, tanto roubo, porque esses jovens acabam sendo levados para a marginalidade.” Foi Maria também que disse essa frase, e, como se pode ver, apesar de ser corriqueira no senso comum - poderia ser dita por qualquer outra Maria -, não deixa de ser uma verdade presente no conceito científico do cientista social.

A mídia, em suas mais variadas formas, tem dado uma contribuição negativa para a formação do cidadão. Ela banalizou e até romantizou a violência, tornando-a para quem pouca informação tem para discernir o que é certo ou o que é errado.


As manchetes que “fazem escorrer sangue”, a exposição de tiroteios na tevê, o noticiário das “mortes do fim de semana” não assustam mais. O pior: não indignam e não provocam mais reações de revolta ou tentativa de reação social.


Por que isso acontece? Seria a informação inútil para a sociedade? Seriam o jornal, o noticiário televisivo ou a arte do cinema uma metástase que espalha o câncer da violência pelas células indefesas do corpo social?


Para ser sincero e objetivo, sim! Sim, se jornal, tevê, cinema e outras mídias não reconhecerem o verdadeiro papel social que exercem. Sim, se o único conhecimento que se oferece à população mais humilde forem essas fontes de informação. Sim, se a educação não for priorizada no país, se a cidadania continuar sendo direito de poucos, se a corrupção for um câncer mais voraz do que a má informação ou se os dirigentes do país continuarem a priorizar a política do fisiologismo tendo a ganância como sustento moral.

Como se vê, o problema não é apenas com a mídia, mas o profissional de mídia. Seja ele jornalista, publicitário, cineasta ou qualquer outro, tem sua responsabilidade e dela não pode fugir.


O jornalista não pode apenas divulgar o crime, mostrar o sangue, fotografar na hora que o disparo é feito. Se apenas assim o fizer, não cumpre o papel social fundamental para o bom desempenho profissional. O jornalista tem o dever de informar muito além disso. Tem que buscar dados mais profundos, colher informações além daquelas superficiais que fazem um jovem, com a arma em punho rodeado de reféns dentro de um ônibus, parecer um sujeito sem alma e cruel até o último fio de cabelo. Se assim o fizer exporá a anomalia que torna “células sãs” em unidades cancerosas. Mostrará como a “metástase do mal” contamina “órgãos sadios” e condena à morte uma sociedade de pequenos homens e mulheres indefesos sem direito a um “tratamento decente”.


O cinema, a tevê, a telenovela e mesmo a revistinha infantil têm também seu papel importante na formação de uma sociedade da paz ou de uma “sociedade sadia”. Mesmo o cinema sendo uma arte livre - e não poderia ser de outra forma -, cabe ao cineasta ou diretor decidir se realmente quer fazer arte ou se quer conduzir uma película que tenha como objetivo principal atender às exigências dos patrocinadores ou difundir a cultura do preconceito, da discriminação de raças, credos ou crenças. Fazer arte livre não significa ser irresponsável nem atender exigências de mercado do brutal pelo brutal, do imoral pelo imoral, do vergonhoso pelo vergonhoso.

Maria, Madalena, Rute, Cleide, Francisca ou Raimunda. Nesta lista pode-se incluir Pedro, Francisco, Sebastião, Daniel, Michel, Danilo, Washington. Homens e mulheres, do norte ou do sul, do Brasil ou da Noruega, não importa, todos são pais e mães que uma hora ou outra são obrigados a escolher o que deixam ou não os filhos verem. Se bons pais ou boas mães, evitarão a violência flagrante do noticiário. Se despreocupados, não se importarão. A decisão, por enquanto, é deles, mas talvez não fosse necessário forçá-los a isso. Talvez haja um dia em que eles não terão medo da influência negativa da mídia, ou porque ela não terá, ou porque seus filhos terão muito mais do que o pouco que a mídia lhe dá. Será o dia em que a informação será de todos e o conhecimento, um bem comum. Esse momento um dia chegará.

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