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Camarada, não é fácil!
Camarada, não é fácil!
O título aí em cima nada tem a ver com as relações comunistas de camaradagem, mas apenas uma expressão muito usada por um amigo, o Zé Alício, para designar que a coisa está complicada. Usei-a aqui para dar um início mais legal a este textinho. O caso é que, outro dia, vivi o inferno na terra por alguns minutos. Minutos que pareciam eternos - por isso, camarada, tenho que dizer que não é fácil. Não é mesmo!
A verdade é que, se existe esse tal de inferno, ele tem lugar e hora marcados para se manifestar. O lugar é os pouco mais de três quilômetros da rua Isaura Parente e o horário é aquele de pico, entre onze e uma da tarde. Mas o pobre cristão para viver esse inferno tem que estar dentro de um carro querendo se deslocar do início da rua, no bairro Bosque, até seu final, na Estação Experimental, ou dentro de um ônibus do Manoel Julião. Creiam, quem passa por essa experiência paga todos os pecados. Com juros.
Há cerca oito meses, minha condução é uma moto. Esse é o veículo ideal para as ruas de Rio Branco, com exceção dos dias de chuva. Mas há uns dias inventei de pegar o carro de um amigo para ir buscar meu filho em casa e levá-lo à aula, no Centro. Se já viram aquele filme “Dia de Fúria”, com Michael Douglas, devem saber em que estado eu fiquei quando finalmente consegui chegar a casa, no Residencial Rio Branco, próximo à Associação dos Engenheiros.
Na verdade, raramente ando pela Isaura Parente, mas nesse dia acho que estava meio perturbado das ideias para cometer uma sandice dessas.
No início do trajeto até que foi agradável. Logo nos primeiros cem metros, à esquerda há uma bela loja que exibe na vitrine lingeries belíssimas. A mente masculina começa logo a imaginar um belo corpo moreno vestido em uma daquelas peças. Convenhamos, até valeram a pena os primeiros minutos de engarrafamento. Mas o sol quente e o amontoado de carros buzinando uns para os outros como se isso fizesse a pista mais larga ou alguns daqueles criar asas fazem qualquer um esquecer os pensamentos menos pudibundos.
Até aqui falei apenas dos primeiros cem metros. Até chegar aos duzentos, no cruzamento da dita-cuja com a Antônio da Rocha Viana, tem muita coisa que pode levar um sujeito direto ao manicômio. O trânsito simplesmente não flui ali e não adianta olhar para a direita ou para a esquerda, pois a lojinha bonita já ficou pra trás. E o sol mais forte, e as buzinas mais intensas... Deus do céu, como irrita! Camarada, não é fácil mesmo!
Pois bem, segui adiante. Meu azar foi maior ainda porque alguns metros à frente está o Supermercado Araújo e era a tal da “terça verde”. Caro leitor, se você já tentou ir ao supermercado nesse dia deve saber bem que não é um bom dia para passar na frente dele. O volume de carros entrando e saindo do estacionamento é grande e, na pista da Isaura Parente, lá na frente, o buzinaço rola forte. É também nesse horário de pico que ficam prontos os frangos assados no referido supermercado. Os preguiçosos ou aqueles sem tempo para cozinhar, com eu, fazem filas enormes à espera daquele franguinho que acabou de sair do forno. E o sol cada vez mais forte, e os intolerantes cada vez buzinam mais.
Mais à frente, a menos de cem metros, tem um semáforo, e, como a falta de sorte me acompanhou nesse dia, ele ficava vermelho mais rápido do que verde. Dois ou três carros, no máximo, conseguiam passar debaixo dele. Se eu disser para vocês que o sol ainda estava forte estarei sendo redundante demais, não é? Então deixa pra lá, direi apenas que o calor fazia o carro parecer um forno de micro-ondas. O suor pingava no olho que ardia, a camisa estava ensopada e os desgraçados (com perdão da palavra) pareciam desesperados com o dedo na buzina. Olha, se eu não fosse um sujeito educado, juro que teria dito um palavrão, mas me contive.
Talvez vocês já tenham lido sobre a saga do herói mitológico Odisseu. Depois de passar dez anos na guerra contra Troia, ele vive uma longa aventura na luta para voltar para Itaca, sua terra natal. Meu caso foi parecido, mas não tinha o canto das ninfas a me seduzir. Porém, à minha direita, um sujeito de sabor affair me dava uma forte encarada com um olhar lânguido que disse tudo. Ele tentava passar de qualquer jeito forçando penetração pela direita, formando fila dupla. Imaginem vocês fila dupla na Isaura Parente. Só coisa mesmo ideia de quem não tem nada na cabeça.
Camarada, isso tá me dando agonia lembrar tudo de novo.
Vencida essa primeira etapa, bem mais adiante surge o maior gargalo da rua. Na entrada do Manoel Julião tem um semáforo de três tempos que leva qualquer um à loucura. Filas enormes se formam logo que ele fica vermelho, e não tem jeito, o cara não tem pra onde correr. Lá adiante tem outro, mas que não é tão ameaçador em outros horários, porém, naquele é fatal. É o que fica na entrada do Sesi. No horário de pico os pais vão buscar os filhos na escolinha e já sabem: engarrafa mesmo. E a “lua” brilha no céu ao meio-dia. A fome bate, o suor escorre pelo rosto e tome buzina na traseira...
Felizmente, já nos metros finais, à direita novamente, é possível um cidadão de bem limpar as vistas. Belas morenas, loiras e ruivas caminham saindo ou entrando da Mais Academia. Nesse momento até dá pra agradecer a lentidão do fluxo viário.
Para concluir, quando achei que já estava em casa, deparei-me com um acidente que acabara de acontecer envolvendo um carrão de madame e uma motinha feinha igual à minha. O trânsito ficou mais lento ainda, mas finalmente cheguei a casa.
Depois desse episódio, fiz promessa ao meu santo protetor, São Sebastião, para nunca mais ser obrigado a fazer tal percurso em situação igual. Rezo todas as noites para ser atendido com essa graça. Amém!
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