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A questão do IDH do Jordão
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Tenho acompanhado nos últimos dias a polêmica da matéria divulgada pelo Fantástico, da Rede Globo, no domingo último. A reportagem falava sobre as três cidades brasileiras com o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que é um dos parâmetros tomados pela Organização das Nações Unidas (ONU) para medir a qualidade de vida das populações em todo o mundo. O município de Jordão, no interior do Acre, foi uma das cidades abordadas.
Há vários anos se discute a questão do IDH de Jordão. O baixo índice no indicador da ONU é conhecido de todos no Estado, não é uma novidade que a tevê trouxe.
A reação no Estado foi de indignação e suscitou declarações apaixonadas, como se o Acre tivesse sido ferido mortalmente. Foi como se a matéria tivesse sido baseada em fatos inverídicos e feita com a incumbência de enlamear a honra dos acrianos. “Uma peça de mau gosto, desinformada, mentirosa, antiamazônica, antiflorestal e anti-indígena”, como afirmou o deputado Moisés Diniz.
Diniz e tantos outros fizeram comparações sem propósitos do tipo que no Jordão não se come chuchu, mas se “come mandioca cozida, cuscuz de milho, banana, mamão, manga, goiaba e bebe caldo de cana”. É verdade, mas isso não encobre o fato de o município ter altos índices de desnutrição, verminose e outras mazelas, ou que em Jordão não se convive com a violência comum nas grandes favelas, o que também não encobre o fato da enorme violência de mais da metade da população em idade escolar estar fora da sala de aula. É mais uma geração de analfabetos que se forma na cidade.
Se não come chuchu em Jordão é porque verdadeiramente não tem, assim como o tomate, a cebola e tantas outras verduras. O que tem vem de fora. Também não existe por lá o incentivo ao plantio do açaí, do patoá, da pupunha ou tantos outros que possam servir de complemento alimentar. O que se consome por lá provém da coleta e nada mais.

As cidades acrianas passaram a ter um acompanhamento por parte do governo central que antes jamais pensaram ter. Houve melhoria na infraestrutura básica e saneamento, na saúde, na educação e na segurança pública. Talvez a situação de Jordão fosse pior se a Frente Popular não tivesse assumido as rédeas do Estado.
Tudo isso, porém, não foi suficiente para Jordão. O caso de lá se deve a uma série de fatores que fogem ao controle imediato de um governante estadual. É resultado de anos de más administrações municipais, desgovernos que não levaram em conta as necessidades da população. É o resultado de maus políticos das esferas estadual e federal, que durante legislaturas e mais legislaturas negaram voltar os olhos para as condições em que as populações mais humildes vivem. Para se ter uma idéia durante o Assembleia Aberta, todos os deputados estaduais foram convocados, alguns faltaram e a maioria dos que compareceram não ficou sequer duas horas na cidade.
Há ainda outros tantos fatores que sequer estão sendo levantados aqui e que influem, diretamente ou não, para as condições precárias em que se vive ali e em outras regiões do Acre ou da Amazônia. Sem vencer esses problemas e entraves não adianta criar outro índice, seja ele qual for, que Jordão continuará miserável como sempre foi.
Há muita coisa boa que pode ser feita para melhorar a situação de Jordão. O Assembleia Aberta é uma delas, pois colocou a população da cidade pela primeira vez em contato com os parlamentares estaduais e alguns federais. A abertura da estrada ligando Rio Branco a Cruzeiro do Sul pelo governo do Estado até meados do ano que vem é outra, pois dará maior condição de acesso a bens de consumo às cidades do interior e, embora ainda não se vislumbre estrada para o Jordão, é certo que a cidade se beneficiará com o fim do isolamento de outras cidades próximas, como Tarauacá.
A matéria da Globo não deveria indignar, deveria mobilizar em defesa de Jordão. Ela nos envergonha, não há dúvida, mas mais envergonhados ficaremos se, em alguns anos, ela for repetida e novamente Jordão figurar na lista do pior IDH do país. Essa é a verdade.
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Um comentário:
Coerência é fundamental para quem escreve. Até que enfim alguém fala a verdade, sem paixões desmedidas. Parabéns!
Antônio Melo
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