quarta-feira, 4 de março de 2009

...

A questão do IDH do Jordão
...
Clique nas imagens para ampliar

Tenho acompanhado nos últimos dias a polêmica da matéria divulgada pelo Fantástico, da Rede Globo, no domingo último. A reportagem falava sobre as três cidades brasileiras com o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que é um dos parâmetros tomados pela Organização das Nações Unidas (ONU) para medir a qualidade de vida das populações em todo o mundo. O município de Jordão, no interior do Acre, foi uma das cidades abordadas.

Há vários anos se discute a questão do IDH de Jordão. O baixo índice no indicador da ONU é conhecido de todos no Estado, não é uma novidade que a tevê trouxe.

A reação no Estado foi de indignação e suscitou declarações apaixonadas, como se o Acre tivesse sido ferido mortalmente. Foi como se a matéria tivesse sido baseada em fatos inverídicos e feita com a incumbência de enlamear a honra dos acrianos. “Uma peça de mau gosto, desinformada, mentirosa, antiamazônica, antiflorestal e anti-indígena”, como afirmou o deputado Moisés Diniz.

Não é bem assim. A verdade está lá para quem quiser ver. Talvez Jordão não tenha o pior IDH do Brasil, mas é, sim, um dos municípios mais pobres do país e um com as piores condições de vida. Eu estive lá recentemente acompanhando uma das sessões do programa Assembleia Aberta, desenvolvido pela Assembleia Legislativa do Acre, em meados do ano passado. Vi que a realidade é bem pior do que foi mostrado na reportagem do Fantástico.

Diniz e tantos outros fizeram comparações sem propósitos do tipo que no Jordão não se come chuchu, mas se “come mandioca cozida, cuscuz de milho, banana, mamão, manga, goiaba e bebe caldo de cana”. É verdade, mas isso não encobre o fato de o município ter altos índices de desnutrição, verminose e outras mazelas, ou que em Jordão não se convive com a violência comum nas grandes favelas, o que também não encobre o fato da enorme violência de mais da metade da população em idade escolar estar fora da sala de aula. É mais uma geração de analfabetos que se forma na cidade.

Se não come chuchu em Jordão é porque verdadeiramente não tem, assim como o tomate, a cebola e tantas outras verduras. O que tem vem de fora. Também não existe por lá o incentivo ao plantio do açaí, do patoá, da pupunha ou tantos outros que possam servir de complemento alimentar. O que se consome por lá provém da coleta e nada mais.

A matéria divulgada também não culpa o atual governo de Binho Marques por isso nem o governo anterior de Jorge Viana. Quem conhece o Acre sabe que a questão é bem diferente. O Estado cresceu muito desde o primeiro mandato da Frente Popular em 1999. A qualidade de vida das populações do interior melhorou muito desde então.

As cidades acrianas passaram a ter um acompanhamento por parte do governo central que antes jamais pensaram ter. Houve melhoria na infraestrutura básica e saneamento, na saúde, na educação e na segurança pública. Talvez a situação de Jordão fosse pior se a Frente Popular não tivesse assumido as rédeas do Estado.

Tudo isso, porém, não foi suficiente para Jordão. O caso de lá se deve a uma série de fatores que fogem ao controle imediato de um governante estadual. É resultado de anos de más administrações municipais, desgovernos que não levaram em conta as necessidades da população. É o resultado de maus políticos das esferas estadual e federal, que durante legislaturas e mais legislaturas negaram voltar os olhos para as condições em que as populações mais humildes vivem. Para se ter uma idéia durante o Assembleia Aberta, todos os deputados estaduais foram convocados, alguns faltaram e a maioria dos que compareceram não ficou sequer duas horas na cidade.


Há ainda outros tantos fatores que sequer estão sendo levantados aqui e que influem, diretamente ou não, para as condições precárias em que se vive ali e em outras regiões do Acre ou da Amazônia. Sem vencer esses problemas e entraves não adianta criar outro índice, seja ele qual for, que Jordão continuará miserável como sempre foi.

Em vez das críticas à matéria, seria de bom-senso discutir essas questões. Buscar viabilidades econômicas para aquela população, combater as questões culturais ou mesmo estruturais que afastam os jovens da escola, incitar a atuação municipal por políticas públicas de geração de emprego e renda e pressionar o governo federal por uma distribuição de recursos que privilegie mais os municípios pobres do interior do país.


Há muita coisa boa que pode ser feita para melhorar a situação de Jordão. O Assembleia Aberta é uma delas, pois colocou a população da cidade pela primeira vez em contato com os parlamentares estaduais e alguns federais. A abertura da estrada ligando Rio Branco a Cruzeiro do Sul pelo governo do Estado até meados do ano que vem é outra, pois dará maior condição de acesso a bens de consumo às cidades do interior e, embora ainda não se vislumbre estrada para o Jordão, é certo que a cidade se beneficiará com o fim do isolamento de outras cidades próximas, como Tarauacá.


A matéria da Globo não deveria indignar, deveria mobilizar em defesa de Jordão. Ela nos envergonha, não há dúvida, mas mais envergonhados ficaremos se, em alguns anos, ela for repetida e novamente Jordão figurar na lista do pior IDH do país. Essa é a verdade.

...

Um comentário:

Anônimo disse...

Coerência é fundamental para quem escreve. Até que enfim alguém fala a verdade, sem paixões desmedidas. Parabéns!

Antônio Melo