quinta-feira, 27 de novembro de 2008

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Pradonde foi a velha casa verde dos Mansour?
Beneilton Damasceno *


Dois jornais da cidade - entre eles o Página 20 - anunciaram semanas atrás que um conhecido grã-fino de Rio Branco havia comprado o terreno em cuja casa morou por décadas uma das mais tradicionais e influentes famílias do Acre. O imóvel, localizado na esquina da Quintino Bocaiúva com a Avenida Ceará, no coração da capital, abrigou nada menos que o saudoso professor Elias Mansour Simão Filho, talvez o maior incentivador da cultura nativa em todos os tempos.

Passei lá para conferir a notícia. E fiquei comovido. Da casa verde de duas águas, toda construída em madeira, não restou um mísero pedaço de telha. Mandaram implodir tudo, na base da marreta e do pé-de-cabra. “Dizque” no local vai ser erguido um portentoso edifício, no estilo “Barão da Torre”, coisa de deixar gringo morrendo de inveja.

Pois podem construir ali até a réplica das Torres Gêmeas que não vai me impressionar. A mansão dos Mansour, agora caindo aos pedaços, fez parte da minha distante adolescência. Foi ali que, numa noite de friagem em junho de 1974, eu e minha tia Marilene, a “Tia Bá”, literalmente invadimos a sala-de-estar repleta de gente importante para pela primeira vez confirmar, extasiados, que detrás daquela tela de vidro azulado da TV Colorado RQ havia vida. Vida em preto-e-branco, mas havia.

Nunca vou esquecer. Eu ia completar 15 anos e a “Tia Bá”, 21. Copa do Mundo da Alemanha. O jogo era Brasil e Iugoslávia (que mais tarde viraria Bósnia, Montenegro, Sérvia, lei lá o quê!). Com aceitável atraso de quatro dias, o “videotape” desembarcou aqui, graças ao corre-corre do polivalente radialista Campos Pereira, que também foi embora para sempre. Placar: 0 a 0. Mas a platéia do recinto cheio de cadeiras não se conformava e exigia pelo menos um gol da seleção canarinho. Que não saiu nem a pau!

Na tela de 24 polegadas, Rivelino, Leão e Jairzinho... Quase impossível acreditar. As orelhas quentes de emoção e surpresa. Como é que “os cara” tão lá na Europa e a gente vê tudo aqui, rapaz? De vez em quando, uma piadinha de mau gosto, que a dupla de “invasores” tirava de letra. O Miltão, goleiro do Juventus e hoje amigo e quase vizinho, disse mermassim: “Hein, Elísio, tu já pensou se a gente fosse cobrar ingresso dessa moçada que entrou aqui sem pedir?”. O Elísio (irmão do professor Elias) só fazia rir. Nem liguei. “Tia Bá” apenas me cutucou e bola pra frente...

No dia 21 de novembro daquele ano, minha mãe, irmã de “Tia Bá”, comprou em doze prestações um televisor Telefunken na extinta Casa Zeque. Tinha doze polegadas. “Do tamanho de uma caixa de fósforo”, como bem definiu meu colega “Pedro Caveira”, num compreensível rasgo de inveja. A bichinha era bem pequena, mas tinha o poder de reunir a vizinhança toda para assistir ao seriado “Marte Invade a Terra” e à telenovela “Meu Pedacinho de Chão”.

Daqui a pouco tenho de ir ao banco da Quintino Bocaiúva. E, como é caminho, outra vez vou dar uma espiada para o espaço vazio onde iniciei essa vida de viciado em TV. A diferença é que não pretendo mais invadir o lar de terceiros seduzido pelo incontido instinto da curiosidade. Tenho uma televisão “a cores”, maior que uma caixa de fósforo. De controle remoto. Em 35 anos a coisa mudou ou não para melhor? Mudou, claro que mudou.

“Tia Bá”, que acabou de comprar um aparelho “maceta”, com tela de plasma do tamanho da do Cine Acre, concorda comigo. Sua bênção, tia Bá!


* Jornalista
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