terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

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O teatro de domingo

Não sou crítico de arte e nunca quis enveredar por essa área porque sei que é necessário conhecimento específico e uma vivência cultural que realmente não detenho. Mas quero recomendar um espetáculo a que assisti no fim de semana - “20 Anos de Risos”. Trata-se de uma peça de teatro infantil, mas que provoca o riso descontrolado em pessoas de todas as idades. Portanto, um bom programa para toda a família ou para quem não aguenta a chatice dos programas de tevê nas tardes de domingo.

Se crítico de arte eu fosse, faria uma análise completa do espetáculo, passando por cenário, figurino, texto, iluminação e uma dezena de outros itens imperceptíveis para os cidadãos comuns, mas que não passariam despercebidos para os olhos treinados. Se fosse um crítico exigente poderia até reprovar o espetáculo do Rufino. É bem verdade que o cenário parece ter sido feito de forma artesanal, o figurino é modesto, a iluminação e o som não utilizam grandes recursos, mas tudo isso é apenas um detalhe que em nada desmerece o resultado final do trabalho, que se resume na satisfação dos espectadores e o bem que ele causa ao fazer fluir o riso em todos que o assistem.

A peça é dirigida em encenado pelo ativista cultural Rogério Curtura, que faz o Palhaço Rufino; a esposa e companheira de mais de 20 anos, Françoise, que faz a “Coisinha”; o filho mais velho, Rogerinho, que faz o “Microbinho”; e o mais novo membro do Grupo do Palhaço Rufino: Pablo Emílio, com idade que não ultrapassa os cinco anos. Essa gracinha se apresenta como Piolhinho, um cativante palhacinho que atua como gente grande. O texto também é de Rogério e conta, como o próprio nome já diz, os 20 anos de sua atuação como palhaço e produtor cultural.

O motivo desse texto e dessa “crítica positiva” ao espetáculo não se deve apenas ao excelente espetáculo. A verdade é que, assistindo a ele no domingo passado, percebi que a história do Palhaço Rufino representa muito bem um pouco do que foi a produção cultural nas últimas duas décadas. Rogério se manteve ativo em um cenário em faltou incentivo à produção, os espetáculos rarearam, os artistas se tornaram qualquer outra coisa bem distante da arte, o público fugiu das casas de espetáculo e os teatros ou deixaram de existir ou, se existem, não funcionam mais como berço de artistas ou de espetáculos. O pior: o Palhaço Rufino viveu nos últimos 20 anos em um cenário no qual faltaram políticas públicas de incentivo à cultura, seja nos anos de governo de direita, seja nos anos de governo de esquerda.

O texto da peça, e a história de Rogério, começam em 1989, quando se une a outro que também vem resistindo no meio do marasmo da cultura acreana, Dinho Gonçalves, conhecido como Palhaço Tenorino. Se fossem mudados os atores e as histórias devidamente adaptadas, poderia ser esse o espetáculo contando a história de Dinho e Tenorino. Assim como Rogério, ele passou por poucas e boas para se manter ativo e estrear, vez por outra, um espetáculo que se torna sucesso de público com relativa frequência.

Eu acompanhei um pouco de Dinho e Rogério na dupla que faziam animando festas infantis. Acompanhei quando se separaram. Apreciei quando Rufino se uniu ao Carrapeta, ajudei no Grupo do Palhaço Tenorino que Dinho formou a seguir e o que os dois têm feito separadamente. Por isso posso dar uma de crítico aqui, já que acumulei a vivência da produção de ambos.

É claro que teve muitos bons espetáculos no Acre nos últimos 20 anos. Também surgiu muita gente boa, bons atores e bons diretores. Mas nada se iguala à efevercência das décadas de 1970 e 1980. E embora os anos subsequentes tenham sido de maior “fartura” para o empresariado do comércio, da indústria ou de serviços, os patrocínios rarearam bastante. Nem mesmo as leis de incentivo à cultura do município ou do Estado conseguiram remontar o sucesso anterior. Produzir cultura, que já não é fácil em lugar algum, no Acre se tornou quase impossível.

Finalizando a minha primeira e única incursão no mundo da “crítica de arte”, vale a pena ver no espetáculo de Rufino o que é uma família bonita, afinada na vida profissional e com o maravilhoso ideal de fazer cultura, isso passando por todas as dificuldades que citei acima.

Vejam, se tudo isso que disse aqui não lhes motivar a ir ao Theatro Hélio Melo no domingo, às 5 da tarde, ver o espetáculo, saibam que perderão a oportunidade de comprovar que, no Acre, cultura é coisa de família e que arte se faz desde pequenino - basta ver o pequeno Piolhinho no palco.

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2 comentários:

GiselleXL disse...

Como assim primeira e única incursao no mundo da "crítica de arte"? Ah nao Tião, eu nao posso crer nisso, vc escreveu com tanta emoção, que eu acho que é impossível que nao se aventure nisso outra vez. Os artistas sao diariamente provocados a desistir, e o jornalismo ao lado deles os oferecem uma força única, que infelizmente os jornalistas nao conseguem ver. E todos nós temos vivencias culturais, e nao importam as observaçoes estéticas (de figurino ou iluminaçao), o mais difícil e importante sao as observaçoes sociais e políticas, que vc tem e fez de sobra. Bem, eu sou suspeita pra falar dessas coisas... haha Nao assisti ao espetáculo e acho que já deve ter terminado a temporada, mas se houver outra oportunidade, irei com certeza! ah, e detalhe: Rufino, com o Tenorino, animou a minha festinha de 1 ano! =)

Anônimo disse...

Vc sempre tão poética, linda e delicada Gisela. è verdade o Tião arrasou nesta crítica, eu mesma fiquei muito, mas muito lisongeada!!!